Lost in Translation

Lost in Translation

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Aventuras atrás do volante!


Pois é.. Ainda cá estou à pouco tempo mas já deu tempo para algumas boas histórias...
Das primeiras coisas que nos dizem quando chegamos a Timor e nos aventuramos ao volante é: "se atropelares algum cão, porco ou galinha, prepara-te para desembolsar uns quantos dólares!"
Geralmente até ando de bicicleta para todo o lado, portanto achei que o meu problema seria ser eu ficar debaixo de um carro. Sim, a condução em Timor é algo a que, provavelmente, nunca me vou habituar. A buzina aqui serve para tudo e mais um par de botas e existe uma vasta gama de diferentes sonoridades. As mais engraçadas são as das microlets, os mini-autocarros públicos aqui do sítio. Não sei porquê mas associo sempre a uma nave espacial a levantar voo.
Em Portugal, geralmente usamos a buzina quando queremos chamar a atenção de alguém que está a fazer asneira, certo? Aqui não! Não interessa quem está a fazer asneira, o que interessa é buzinar! Algumas vezes serve simplesmente para dizer: "estou aqui!" Algo, que todo o meio de transporte, seja ele qual for, faz a cada 5 segundos. Por vezes, também serve para dizer: "estou aqui e não vou parar ou abrandar, salta da frente!" Outras tantas, serve para os taxistas chamarem os malais que passam a pé. Ou seja, se andarmos a pé em Díli, é certo que temos banda sonora até chegar a casa.
Para quem anda de mota, a buzina também é mais do que fundamental. Especialmente para chamar a atenção dos cães, porcos, búfalos ou galinhas que atravessam estradas cheias de carros como se fossem seres imortais. 


Outra coisa que se costuma dizer aos viajantes, é que todos temos a nossa lista de coisas que, quer queiramos quer não, têm de acontecer. Em Timor, essa lista costuma incluir atropelar um cão. Eu e o João já demos o nosso check na lista. Na realidade foram dois checks logo de uma vez: atropelar um cão e cair de mota. 
Tal foi a intensidade dos avisos sobre os atropelos de animais e a grande indemnização que teríamos de pagar a qualquer timorense que aparecesse a dizer que o animal era dele, que quando caímos nem ajudei o João a levantar a mota. A minha preocupação imediata foi certificar-me que não havia nenhum timorense que se pudesse ter magoado, e que nenhuma das testemunhas do "crime" vinha reclamar o pote de ouro. O cão ganiu mas fugiu pelo seu próprio pé e em vez de pedir dinheiro, bem pelo contrário, os timorenses vieram muito prontamente perguntar se estávamos bem e ajudar-nos. ainda assim, agradecemos a ajuda mas pusemo-nos a milhas bem rapidamente, não fosse o dono do cão ainda aparecer... Felizmente ficaram apenas umas nódoas negras e umas quantas gargalhadas à conta do coitado do cão. 
Agora sempre que ando de mota, não há como não ir a olhar para a frente, levar a mãozinha no ombro do João e apertá-lo cada vez que surge a mínima ameaça à frente da mota. Esperemos que estes checks estejam feitos. O próximo é Jaco! 

Bye bye!

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A nossa avó!




Passar uns tempos fora do país é toda uma aventura. Mais acrescento, uma experiência pela qual considero que todos os jovens deviam passar. Infelizmente há um elemento que torna a aventura bem difícil e em Timor este problema é especialmente grave, tendo em conta a distância. Afinal de contas, são apenas 18 500 km! As saudades da família ninguém as tira e são pesadas. Especialmente quando a família está a passar uma situação difícil. É duro sentirmo-nos altamente impotentes quando só queremos estar presentes, ajudar e dar miminhos. A preocupação em saber como estão todos e a vontade apanhar o avião é tamanha! Infelizmente a vida é assim e há coisas que não se podem mudar!
Acordei ontem de manhã com a notícia de que a minha avó tinha desmaiado poucas horas antes e já não a conseguiram reanimar. A internet permitiu-me saber rapidamente da notícia. A diferença horária fez do meu dia um permanente estado de ansiedade a pensar como estariam o avô, o pai, tios, irmãos e primos. Passei o dia a contar as horas e os minutos para lhes poder ligar.
Ao que parece, também o meu pai também estava por estes lados quando morreu o avó Álvaro, meu bisavô. Precisamente nas semanas da ocupação Indonésia, estava o meu pai no Ataúro, impotente a ver a coisa a acontecer. Depois de dada a ordem de recuo das tropas (notícia já de si bem difícil de aceitar, imagino), ainda chega a Darwin e recebe a triste notícia do avô, por carta! Não me serve de consolo saber isto mas dá-me vontade de agradecer aos céus, a existência do telefone e da internet. Ao menos assim, desde que tenha em atenção a diferença horária, a qualquer altura posso falar com todos e ir acompanhando minimamente a situação.
“A avó já estava muito velhinha, está melhor assim”, é o que toda gente diz nesta altura em que não se sabe muito bem o que dizer. Também eu não sei o que dizer, talvez por isso me sinta tão impotente neste lado do mundo. Para mim é mais fácil estar e fazer do que falar. Há também uma outra frase que toda gente diz, “foi uma grande mulher e partiu com uma grande obra feita”. Ora cá está a GRANDE VERDADE! Infelizmente só conheci uma avó, mas para mim essa avó sempre foi um exemplo a seguir, o de uma mulher de armas e de um osso bem duro de roer! No pós-25 de Abril, o meu avô foi saneado. Vendo a família sem sustento, a minha avó não baixou os braços, arregaçou as mangas e dedicou-se à cozinha para sustentar a família. Algo que os primos mais velhos ainda se lembram muito bem, por tantas vezes terem acompanhado as entregas.
Mãe de sete filhos, avó de dezassete netos e bisavó de dois, com a terceira a caminho! Uma avó com muita fé (não largava os seus santinhos nem por nada), muito mundo, um sangue frio que não lembra a ninguém e um casamento de meter inveja até ao casal mais apaixonado.
Não sei em que ano os meus avós casaram mas lembro-me que na festa das bodas de ouro eu ainda tinha tamanho para andar a brincar e a desapertar atacadores debaixo das mesas, portanto já foi há uns anitos! Passados todos estes anos, ainda era bem frequente os netos verem os avós a namorar, de mão dada e a dar beijinhos.
Não imagino os calduços que o pai e os tios apanharam quando eram novos mas nós os netos, pelo menos os mais novos, tivemos a sorte de ter uma avozinha bem amorosa que nos deixava atacar a caixa dos chocolates e das bolachas e beber um copinho de vinho ao almoço, sem ninguém ver, está claro. Nos últimos anos a avó já falava pouco mas não deixava de estar sempre presente e bem atenta ao que se passava à volta, especialmente para pedir chocolates, bolachas e um bocadinho de vinho sem os “grandes” verem. Falava pouco, mas a vontade de continuar a comunicar e estar com a avó era muita e os netos desembrulharam-se em arranjar as suas brincadeiras com a avó. A Maria cantava e tocava viola, a Inês pintava as unhas e enchia a avó de colares e pulseiras, a Mariana mana e a avó, cada vez que se viam, toca de deitar a língua de fora uma à outra. A Matildinha, a Sra. Doutora dos avós tomava conta dos dois, enquanto os restante netos mais novos brincavam, pulavam e gritavam à volta da avó, que aturava tudo isto com um sorriso e com a maior das atenções e paciência.
As saudades já são mais que muitas mas nós vamos olhando uns pelos outros, como a avó nos ensinou!

sábado, 17 de agosto de 2013

Antropologia Visual em Timor

Para quem quiser conhecer um pouco mais da essência de Timor e do trabalho que eu gostaria de vir a fazer por estes lados, aqui ficam os links de documentários realizados por um timorense e por um antropólogo visual espanhol.

Este primeiro documentário é sobre o processo de construção de Uma Lulik (casa sagrada) em Venilale,  a mesma onde, há três anos, todos os dias o grupo da Missão Verbum Dei Timor rezáva o terço com a comunidade. Por vezes, chegámos a ter mais de cem crianças! 

É mesmo especial ver que o sítio onde reuníamos com a comunidade, na altura escolhido por nós, talvez um pouco ao acaso, mas que tanto significado ganhou para o grupo, calhou ser um local que anteriormente era já de grande importância para a comunidade. Um local que os timorenses acreditam ser espaço de ligação e comunicação com os seus antepassados, foi o local que escolhemos para fazer uma coisa tão simples quanto rezar o terço todos os dias com a comunidade e, pelo menos por mim falo, eram momentos que marcavam o meu dia. 

Depois de ver este documentário e de me aperceber o carinho e a dedicação com que foi construído aquele espaço, aqueles momentos ganham uma nova força na minha memória. Fica marcado como espaço de encontro entre crenças e culturas que há já 500 anos vêm a traçar o seu caminho partilhado, umas vezes com mais respeito, outras nem tanto, umas vezes pacificamente, outras não, mas para mim, este local fica marcado como espaço e momento onde este encontro correu, literalmente, às mil maravilhas!

Fica o documentário:
Iha Lulik Laran (Inside the Sacred)

Há um outro documentário realizado por um timorense sobre a construção de uma Uma Lulik, desta vez, a da sua própria família. Sendo uma tradição tão importante para qualquer timorense, acho mesmo interessante o filme ser realizado por um timorense, é o seu próprio ponto de vista de uma situação que lhe é fundamental.

Uma Lulik
Notícia que explica quem é Victor de Sousa Pereira, o realizador.

Fica também o trailer de um filme que está para estrear, sobre as senhoras que fazem pesca submarina na ilha do Ataúro. Numa sociedade onde a posição da mulher é ainda pouco valorizada, penso que esta forma de sustento, por vezes possa ter as suas amarguras.

Wawata Topu, Mermaids of Timor-Leste

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A praia dos Coqueiros e os encontros imediatos de quinto grau!


A praia dos Coqueiros é mesmo muito bonita, tem imensos coqueiros e vários barcos de pesca timorenses na areia, como podem ver, dá umas fotografias espectaculares!





Pessoas nesta praia são raras. Malais (como todos os timorenses tratam os europeus) nem vê-los e os poucos timorenses que passam, são sempre muito curiosos. Já por duas ou três vezes demos por alguns sentados uns metros ao lado a olhar para nós. No outro dia houve mesmo uma rapariga que se sentou mesmo ao nosso lado, só a olhar para nós.
Acho engraçadíssimo a forma como nos observamos uns aos outros como se fossemos de planetas diferentes. Ora sou eu com a máquina fotográfica a capturar o “nativo”, ora são eles que nos chamam malai e se sentam a olhar fixamente para nós, sem que isso lhes cause desconforto algum. Infelizmente ainda não domino o tétum nem eles o português e assim, pelo menos durante as próximas semanas, este encontro entre culturas continuará a ser: Bondia, diak lae? (Bom dia, tudo bem?) e mostrares-lhes a fotografia que acabei de tirar enquanto eles timidamente respondem Diak e depois se riem que nem perdidos porque a malai lhe tirou uma fotografia.
            Enfim.. é engraçado constatar como o conceito exótico, consoante o ponto de vista, pode variar entre antípodas: para uns é o branco que vai à praia, para outros é a campa no meio da praia, o timorense que vai tomar banho vestido à ribeira que desagua no mar, que passeia as cabras na praia, a senhora vestida de batik que leva a lenha na cabeça, etc... Todas estas situações só numa ida à praia.. muito mais de exótico há só de andar pela cidade de Díli, situações que deixarei para futuros posts...