Lost in Translation

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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Vidas!


Há dias melhores e dias piores, semanas melhores e semanas piores!

Ás vezes recebemos notícias que mexem connosco e que nos fazem pensar ou repensar como vivemos, como queremos viver e, no meu caso concreto, o que ando a fazer por estas terras.

Um dos trabalhos que eu faço por aqui é ajudar e acompanhar uma empreendedora a desenvolver o seu negócio. A minha empreendedora chama-se Josefa e tem uma fábrica de pão na sua própria casa. Com a ajuda dos filhos, por volta das dez da noite, todos os dias faz a massa do pão. Depois, deixa a massa fermentar durante umas horas e levanta-se às duas da manhã para fazer cerca de 600 bolinhas de pão. Em Venilale lembro-me de fazer 40 e já estar farta.  600 bolinhas... eu não imagino quantas horas é que a senhora demora a enrolar as bolinhas. Sei que depois ainda tem de as pôr no forno e esperar que 600 bolinhas cozam, antes de voltar para a cama. Também sei que tem de fazer várias fornadas porque o forno não tem capacidade para todo aquele pão de uma só vez. Imaginem tentar fazer tanto pão todas as noites num forno igual ao que todos temos em casa. Imaginem viver disso. É assim que a senhora se sustenta, a si própria e os filhos que ainda moram lá em casa. Eram três... até à semana passada.
A vida aqui em Timor começa cedo e gira muito em torno no próprio bairro. Os cliente da D. Josefa têm as suas bancas a 100 metros de distância da casa da empreendedora. A Susana, rapariga com 21 anos, ajudava a mãe todas as noites. Nesse dia às seis da manhã, como todos os outros, foi vender o pão aos clientes, enquanto a mãe lhe passava a roupa a ferro para ir para as aulas, o último dia de exames para terminar o secundário, pelo que a Sra. me disse.
O irmão mais novo, um rapaz com apenas dez anos assistiu a tudo. A irmã nunca mais voltava, estava-se a atrasar para irem para a escola e ele foi chamá-la. A rapariga estava a falar com um amigo que estava de mota. Não sei qual era a relação entre os dois. Sei que alguns timorenses são emotivos e impulsivos. Talvez por toda a sua História, penso que estão pouco habituados a pensar nas consequências dos seus actos. Alguma coisa chateou o rapaz e resolveu o assunto com uma catana. A Susana morreu.
Durante os dias seguintes fiz algumas visitas à senhora. De todas as vezes tinha a casa cheia. As cerimónias fúnebres timorenses são algo complexas e incluem receber a família toda em casa, dia e noite até ao dia do enterro. As famílias timorenses não são pequenas e nem sempre o enterro é no dia seguinte. Há que esperar que todos possam vir dos distritos e isso pode demorar alguns dias. Durante esse tempo, pouco se dorme e há que alimentar todas aquelas pessoas.
Um dos dias desta semana, a Sra. agarrou-se a mim a chorar a dizer que todo o dinheiro que tinha juntado para pagar as propinas da universidade da filha, teve de gastar no enterro.
     
Há vidas duras... e a vida do comum timorense é extremamente dura. 

É uma das razões porque estou nesta terra! Se eu conseguir contribuir com uma vírgula para que coisas assim não aconteçam...

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