São três da manhã.. Não
consigo dormir! Vou amanhã para casa... Ou melhor, vou a casa! Não sei o que
vou encontrar. Estou nervosa. Saí há quase cinco meses. Tanta coisa aconteceu
nos entretantos. Nasceu uma sobrinha, morreu uma avó, dois primos casaram, o avô
com mais de 90 anos esteve em coma, recuperou. Ao contrário do que todos poderíamos
esperar, estava pronto para ir voltar para casa acordadinho da silva e agora
está novamente mal, com uma infecção respiratória. A bagunça morreu.
Quanto a mim.. em cinco
meses também se passou muita coisa. Muitas vivências, emoções, sentimentos,
questões levantadas (umas respondidas outras nem por isso), aprendizagens e
importantes decisões ocorreram ao longo destes meses.
Hoje encerrou-se um
capitulo cá em casa. Tivemos o último jantar com toda a equipa, a 5ª Edição
Católica-MOVE. Fomos jantar ao italiano e o João perguntava-me qual tinha sido
a experiência mais forte que eu vivi aqui. Respondi que não havia nenhuma mais
forte que todas as outras. Estes meses têm sido todo um conjunto de
experiências fortíssimas. É tanta coisa que nem sei por onde começar.. a casa
onde vivo, as pessoas que vivem à nossa volta e a forma simples como vivem, todos os
bons dias e os mega sorrisos timorenses, as crianças a virem bater à nossa
porta para brincar (todas e cada uma delas), os filmes da Disney cá em casa à
quarta-feira (Obrigada Tiago); os porcos, as galinhas, a cabra e os cãezinhos a
ganirem toda a noite, a atribuição dos primeiros microcréditos do MOVE e o
acompanhamento dos nossos empreendedores, a D. Josefa, a Susana e o Santiago e as tentativas de explicações, os
miúdos a brincarem com papagaios feitos de paus e sacos de plástico, o andar de
bicicleta para todo o lado, a mota nova, as idas a pé ao mercado atrás de casa,
a falta que o mercado atrás de casa me faz porque foi mandado a baixo, as
sucessivas idas ao supermercado porque há sempre produtos que faltam
(desvantagens de viver num país que ainda tem pouca capacidade de produção e
que por isso tem de importar quase tudo e de e estarmos habituados a pequenos
miminhos que não queremos dispensar, a manteiga é um caso crítico!!), o dia a
dia em equipa, o ter de cozinhar para uma família de cinco pessoas (em Timor cozinhar é todo um desafio e a
criatividade não foi muita, obrigada malta porque nunca se queixaram!), as
asneiradas dos rapazes e até um jogo SPC-Benfica às seis da manhã, todas as
gargalhadas em família, as panquecas do João e as conversas pela noite fora com
a Sara, as aulas na UNTL, as longas conversas com os jovens da UNTL, as idas às
escolas e às Universidades, as várias reuniões ou conversas (muitas, com as
mais variadas pessoas e sobre os mais variados assuntos), os encontros (ainda
que muito breves) com P. Elias, P. Manuel e com a Célcia, a procissão de 13 de Outubro e o 12 de Novembro, as várias cerimónias protocolares e a forma intensa com que os timorenses recordam e vivem a história que identificam como sua. Os vários passeios: o
ida ao dólar de mota, a ida a Jaco e o dormir sob as estrelas, a subida ao
Ramelau e ver aquele nascer do Sol, a ida a Ataúro e o passeio pelas duas
Vilas, as filmagens com o Victor, as tardes em casa do David a editar, os
almoços nos vários warguns, o ter de ser guiada na mota, a ida a Maubara para
assistir a um concerto do Maestro Simão Barreto (música clássica), os concertos
na Arte Moris e no Palácio do governo, o lançamento do livro do Takas, a
inauguração do Arquivo digital no Museu da Resistência, a ida ao Arquivo
Nacional (sim, ao contrário do que todos os historiadores e interessados em
Timor com quem eu falei pensam, existe), as cartadas depois do jantar, idas às
praias mais bonitas onde eu já alguma vez tive, a travessia do Cristo aos
portugueses a nado, os vários snorklings e as brincadeiras com as máquinas
fotográficas, os jantares nas espetadinhas, na churrascaria e na Mana Fina e
até as noites animadas no Tower e no La Esquina. Cada uma destas pessoas ou
destas pequenas experiências encerram em si próprias um valor e foram vividas
com uma tal intensidade que é impossível pôr em palavras. Mas, acima de tudo
quem mais me ensinou ao longo destes meses foram os próprios timorenses: "Diak Mana, sempre diak"!! Independentemente
do que muitos possam dizer, temos muito a aprender com eles. Reflexões complexas mas muito importantes que ficam para
outro dia!
Respondendo à pergunta do
João, não há um episódio ou outro que me tenha marcado mais. Foram todos. Cada
um à sua maneira. Mas do conjunto, regresso a casa com o coração cheio cheio
CHEIO!!
Eu vou a casa mas volto. O
João já não volta. Fechou-se mais um capítulo. Vou a casa ganhar forças para o
próximo! Um mesinho em casa e recarregar baterias. Tenho saudades. Muitas.
Parece que sou menos desprendida do que achei que seria. Depois volto a Timor e
com muito pouca vontade de utilizar o bilhete já comprado de regresso novamente
a casa em Fevereiro. Timor é uma terra mesmo especial, cheia de vontade de
crescer e eu cheia de vontade de crescer com ela também!